06 junho 2009






O Último Olhar sobre Serra da Mesa


No teatro de Serra da Mesa me sentia no trono daquele grande coliseu, vendo as faces dos titãs que me diziam: “Ave Rui, os que vão ser inundados te saúdam”.
A água do Tocantins que corria rápida em movimentos luxuriantes era uma entidade viva que além dos muitos prodígios, dizia seu João – o barqueiro , também comia gente...
Enquanto a miríade de seres vivos dava o ar de sua graça, tombava com grande resistência um belo jatobá justificando o aproveitamento, para o bem do homem de tão assustador empreendimento!
Coletei um pouco da água da foz do córrego do Boa Nova sem nenhuma intenção, mas com grande emoção. Acho que o que senti ali era puro misticismo. Via naqueles totens, dolmens e máscaras as almas penadas dos mártires dos sucessivos massacres dos Ava-canoeiros perpetrados nessas redondezas.
Ali, o canto dos pássaros não é inocente. O pio de um bem-te-vi soa como um alarme. Às treze em ponto a explosão. A rocha de granito grita ribombos histéricos que soam como rasgos de setas invisíveis por entre tudo e sem o menor respeito!
O pássaro, que na primeira explosão terá se assustado, hoje canta fingindo indiferença. Ou será choro o canto da cotovia? Como ninguém sabia?
Como é que sendo hoje o dia aprazado para o fechamento das comportas de Serra da Mesa não há uma só menção em toda a mídia? Como é possível que tamanhas e tantas explosões não sejam ouvidas no mundo inteiro? Estamos na internet e nada!
Esse é o mais estrondoso silêncio que já ouvi.

Rui Faquini
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15 maio 2009

O Pioneiro

Como um crente, o pioneiro professa uma espécie de religião que o coloca numa categoria.
Ele não é necessariamente aquele que chega primeiro, mas o que permanece acreditando e fazendo de tudo à sua volta “o sonho” a ser realizado. Está presente em todos os ramos da atividade humana; seja nas artes, ciência ou qualquer epopéia. Existem exemplos magníficos de pioneirismo ao longo da história e em qualquer lugar do planeta.
Portanto, ser pioneiro é antes de tudo um estado de espírito, uma psique de role especial.
A epopéia de Brasília propiciou a oportunidade para a observação de inúmeros desses seres com sangue nômade e paradoxalmente buscando assentamento, mas feito a seu modo, e pelas próprias mãos, para descanso da alma.
A utopia na ponta da vara puxando a carroça.
Em Brasília, é sempre bom lembrar, há uma confusão quanto a qualificação de pioneiro porque se atenta muito para a distinção entre pioneiro histórico, e os outros. Os quais nunca pararam de chegar.
Mas pioneiro é pioneiro. Histórico ou não, jovem ou velho, rico ou pobre. É, como disse uma característica como qualquer outra. Ele é altruísta, constrói para si e para os outros, não busca riquezas – como um bandeirante – mas quando encontra, divide. Não almeja o senhorio e sim a honra. Não reclama das agruras ao seu redor e traz sempre para si a responsabilidade. Como o nômade, a sua segurança está na disponibilidade e capacidade de fazer, antes que na conta bancária.
Enquanto pioneiro de Brasília, vi poucas e boas. Hoje cinqüenta e um anos depois me sinto como no primeiro dia: responsável pela parte que ajudei e ainda ajudo a construir, sem ter tido tempo para pensar em mim. Sim, porque o pioneiro se sente amparado pelos deuses e tem certeza de que nada nunca lhe faltará. Basta olhar nossos pioneiros históricos; são longevos e nenhum deles amealhou fortuna. Já flagrei alguns dizendo com orgulho serem “piotários”.
Ele não caça culpados. Resolve como pode as situações adversas. Em alguns casos seu DNA perpetua e passa de pai para filho a sua condição.
É como ser cigano às avessas.
Uma turma da qual pouco se fala é a das pioneiras sexuais. Em Brasília, na Cidade Livre, ao final da Avenida Central, havia a “ponta de rua” chamada Placa da Mercedes um misto de cortiço, velho oeste, favela, acampamento, sei lá, onde se misturavam esgoto a céu aberto com poeira, tiros com música, jogos, sopapos, cheiros e cores. Ao lado de cada “bar” tinha um corredor com pinguelas de tábuas sobre a lama das lavagens dos clientes.
Embora fosse super proibida a entrada de menores, num belo domingo, de dia e disfarçado consegui ser “atendido”. O quarto de tábuas não aparelhadas, mas cheirosas de tinta – nessa época, Brasília cheirava a tinta – tinha frestas no piso por onde escorria a água usada. No canto uma bacia esmaltada ao lado de um balde d’água. A cama, um catre de ripas com colchão de chita recheado de capim –- sei porque cheirava – e um forro cobertor que na época era chamado sapecanigrim.
Sentei na cama, tremulo e suarento, já tramando uma fórmula de sair dali ileso. Tinha ido longe demais...
Ela rapidamente tirou e pendurou a roupa no prego mais próximo. Deitou um litro d’água na bacia, agachou sobre ela e fez um chap–chap (que na minha percepção alterada era um som ensurdecedor de baleias se debatendo). Jogou a água no assoalho, que escorreu toda. E, ainda esfregando uma duvidosa toalhinha, avançou sobre mim. Completamente assustado, atordoado entre a hipótese de não ser macho e o horror de ter que enfrentar a situação, preferi me acovardar. Atirei o dinheiro combinado sobre a cama e saí correndo.
Minhas dúvidas só foram sanadas meses mais tarde quando a Zuzu – a mais linda cabeleireira da cidade – resolveu me iniciar nas lides de homem.
Nesse mesmo domingo à tarde, fruindo aquele mundo proibido, vi cenas inesquecíveis, como uma pequena algazarra em torno de um lambe-lambe que tirava fotos dos peões com as meninas. Elas cobravam caríssimo para posar mas os homens em fila esperavam pela vez e pagavam felizes.
Ao final do dia, numa briga, um soldado da GEB matou outro da aeronáutica. Chegou o pelotão de choque e corri das minhas primeiras cenas de guerra...